Artigo: O preço da desigualdade

Leila Barros – Senadora e procuradora especial da mulher no Senado

Texto publicado no jornal Correio Braziliense

No mês em que deveríamos celebrar conquistas e priorizar a discussão de alternativas que nos permitam um dia alcançar a igualdade de gênero, somos obrigadas a clamar por nossas vidas e a cobrar providências efetivas contra a tragédia que é a violência contra a mulher. O preço mais caro da desigualdade é uma epidemia de feminicídios, movida por covardia e brutalidade, que têm enlutado parentes e amigos e envergonhado homens e mulheres de uma maneira geral. Até parece que retroagimos no tempo, tamanha a barbárie de assassinatos cruéis e sádicos.

No ano passado, 495 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, segundo o relatório “Elas Vivem: dados que não se calam”, da Rede de Observatório da Segurança. Desse total, 18 ocorreram no Distrito Federal. Agora em 2023, em menos de três meses, quase a metade desse número já foi alcançada em Brasília: oito mulheres perderam a vida. De uma forma geral, em sua grande maioria os assassinos são companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

Como se não bastasse o estrago que o machismo estrutural continua fazendo na sociedade, um grupo de trogloditas se uniu com a finalidade de amplificar a misoginia, defendendo teses absurdas como a de que os homens são vítimas de um sistema que privilegia as mulheres. Criada nos Estados Unidos para combater o feminismo, a “machosfera” chegou ao Brasil com o seu discurso de ódio e repulsa ao sexo feminino. Eles usam a Internet como canal para difundir narrativas doentias.

Covardes agressores têm se utilizado das telas de computadores, smartphones e tablets para despejar seu ódio contra as mulheres. Visando coibir essa prática, apresentei o projeto de Lei nº 116/2020 que inclui na Lei Maria da Penha a previsão de que também se configuram formas de violência doméstica e familiar contra a mulher as cometidas por meios eletrônicos. O objetivo é esclarecer que as agressões psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais cometidas por meios como as redes sociais e aplicativos de mensagens também são passíveis de punição. Essa matéria deverá ser votada pelo Senado ainda neste mês.

Aumentar o rigor das leis, investir em programas de prevenção, ampliar e melhorar a rede de proteção à mulher e os canais de atendimento, combater o machismo e realizar campanhas educativas de valorização do sexo feminino e contra a violência de gênero são medidas essenciais. Porém, é fundamental empoderar as mulheres. É indispensável que haja igualdade no acesso à educação e ao mercado de trabalho, na questão salarial e na representação política! Porém, infelizmente, o Brasil tem caminhado para trás.

Segundo o relatório Global Gender Gap Report (Relatório Global de Desigualdade de Gênero), organizado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ficou, em 2022, na 94ª posição entre as 146 nações pesquisadas. A performance só tem piorado, de 2020 para cá. O ranking analisa a situação da mulher em cada país, por meio de indicadores como saúde e sobrevivência, grau de instrução, participação econômica e oportunidades, além de empoderamento político.

O Brasil até que aparece bem colocado quando se comparam os direitos semelhantes que homens e mulheres têm para acessar à saúde. Com relação à participação econômica, nos mantemos um pouco acima da média. Porém, quando se verifica o item “empoderamento político”, nosso país está em último lugar. Esse resultado vergonhoso não pode continuar. Precisamos aprovar medidas concretas, como as cotas tanto nas cadeiras dos legislativos, como nos conselhos e cargos de instituições públicas. Esta seria uma medida temporária, buscando corrigir a distorção histórica que até hoje alijou as mulheres dos espaços de poder.

Por fim, quero destacar que, neste ano, o tema do Dia Internacional da Mulher é “Por um mundo digital inclusivo: inovação e tecnologia para a igualdade de gênero”. Nesses tempos em que muito se fala sobre os avanços que poderão ser proporcionados pela inteligência artificial, é urgente a necessidade de enfrentarmos o desafio de abrirmos as portas desse mundo digital também para as mulheres.

A realidade é que muitas mulheres ainda enfrentam barreiras e desigualdades no acesso e uso da tecnologia, a desigualdade de salários no setor de tecnologia e a representação limitada de mulheres em cargos de liderança na indústria. Precisamos mudar esse quadro para garantir que meninas e mulheres possam acessar e usar a tecnologia em igualdade de condições. Será um passo importante para deixarmos de pagar com a própria vida o preço da desigualdade.