Os grandes olhos verdes de Leila Barros brilham ainda mais quando ela relembra o tempo de infância difícil em Taguatinga e do sonho que se realizou. E continuam a brilhar quando ela fala dessa nova realidade que inclusive a levou a adotar um novo nome ao enveredar pela política: Leila do Vôlei.
A filha de um casal humilde de cearenses que ganhou o mundo como atleta de vôlei e depois como comentarista da TV Globo, discorre da experiência no esporte e na vida pública – hoje é Secretária de Esportes do GDF – com a mesma desenvoltura com que brilhou nas quadras esportivas.
Não se incomoda de falar da desconfiança que seus pais viam na sua utopia – que virou realidade – de jogar na seleção brasileira de vôlei. Assim como não se omite de dar sua opinião sobre o momento do esporte nacional, com escândalos e prisões de dirigentes.
Depois de ter alcançado mais de 11 mil votos na disputa de uma vaga na Câmara Legislativa nas eleições passadas, Leila deixa claro nas entrelinhas – ela que ganhou notoriedade entre quatro linhas e uma rede – que vai tentar mais uma vez o jogo das urnas . Defende mais participação de esportistas na política e diz que, num futuro não muito distante, é possível até sonhar com um representante do esporte sentado na cadeira de Presidente da República. A menina de Taguatinga realmente não para de sonhar, como o leitor do Extrapauta poderá conferir na entrevista a seguir:
Extrapauta – As perspectivas do jovem ao entrar no esporte hoje em busca de uma profissão são maiores do que na época em que você começou sua carreira?
Leila do Vôlei – São sim, maiores. Eu sou de uma geração desbravadora do esporte. Quando você falava em se tornar um atleta olímpico , sobreviver do esporte, era uma coisa vista como de um sonhador. Eu vivi muito isso dentro da minha casa. Eu sou filha de um mecânico que estudou até a quarta série e de uma dona de casa. Eles vieram do Ceará para Brasília.
Extrapauta – Havia preconceito com quem queria abraçar o esporte como profissão?
Leila do Vôlei – Sim, me lembro claramente que meu pai fazia as reuniões familiares e naquela de perguntar pra mim, para os primos, o que a gente sonhava para a nossa vida. Um dizia que queria ser médico, outro advogado, outra professora. E eu dizia que queria ser jogadora de vôlei do Brasil. Hoje se compreende que o esporte é muito mais do que se forma super-homens e super-mulheres. Esportes são valores, formação do indivíduo.
Extrapauta – Como foi enfrentar essa desconfiança em relação a construir o futuro a partir do esporte?
Leila do Vôlei – Eu vivia muito de um sonho. Minha mãe lavando a roupinha lá num tanque e eu com aquela bola de meia preta que o professor Celso, do Centro Educacional 2 de Taguatinga mandava a gente fazer. Eu ficava por cima do varão de roupas jogando a bolinha, atacando. Eu falava: mãe, você ainda vai me jogando no Brasil, na televisão. E minha mãe dizia: ih, minha filha, para de sonhar, porque você tá em Taguatinga.
Extrapauta – Você ainda tem contato com essas atletas da sua geração?
Leila do Vôlei – Tenho, inclusive vou passar o Natal deste ano com a Virna. Tenho muito contato com a Ricarda, que até trabalha comigo na Secretaria de Esportes e é uma parceira de vida. Tenho contato com a Fofão, Janina, com várias das meninas. A gente tem até um grupo de whatsapp intitulado Guerreiras. Nós trocamos sempre mensagens. A Ana Moser, que sempre está engajada nas questões do esporte. São todas pessoas por quem eu tenho grande carinho. Afinal, são pessoas com quem eu passei boa parte da minha vida. Mais tempo com elas do que com minha própria família.
Extrapauta – Valeu a pena essa opção pelo esporte?
Leila do Vôlei – Valeu cada bola tacada, cada dor sentida, cada ausência da família. Valeu a pena demais. Eu acredito que a pessoa que eu me tornei, tudo o que eu sonhei em relação ao esporte eu conquistei. Eu sou uma pessoa realizada, totalmente realizada. . Eu agradeço muito a mulher que eu me tornei. A mãe que eu me tornei.
Extrapauta – Essa virada na sua vida, agora que você trabalha num órgão público que é a Secretaria de Esportes do GDF foi radical demais ou você conseguiu se adaptar bem e rapidamente?
Leila do Vôlei – Eu vivi o processo natural. Eu fui atleta, vivi toda a carreira de atleta. Disputei três olimpíadas pelo Brasil. Depois me tornei comentarista da TV Globo. Depois trabalhei com ONGs aqui em Brasília, onde nós cuidamos de mais de 50 mil jovens em parceria com a Secretaria de Educação. Depois eu montei com a Ricarda e um grupo de amigos o Brasília Vôlei. E o caminho natural é justamente isso, quando você sai desse ciclo e você entender que você precisa se engajar em novas frentes para que aquilo que você acredita, aconteça, foi um caminho supernatural. Hoje eu estou no setor público, na política. E é ali que são tomadas as decisões.
Extrapauta – E esses escândalos que surgiram na política, mas especialmente na área esportiva, inclusive no Comitê Olímpico Brasileiro , eles frustram você como ex-atleta?
Leila do Vôlei – Frustrar não me frustra, mas me entristece. Eu por um momento pensei: eu fiz parte de uma geração que tanto se doou para o vôlei, uma geração que foi a guinada do vôlei em todos os sentidos, a primeira que foi medalhista, que mudou a forma de treinamento, a mentalidade, e aí você perceber que pela ganância de terceiros a gente tá pagando por isso. Mas não me deixa frustrada. Me deixa triste e me dá mais vontade de lutar. Eu acredito que o atleta aprende que regras não são só para o esporte , são para a vida. E no setor público não pode ser diferente. No setor público também existem pessoas que entendem isso. E ao entenderem isso elas abraçam a sua causa. É o que eu vivo diariamente na Secretaria de Esportes. O atleta tem que se engajar cada vez mais na política, para que a gente busque os nossos espaços e definitivamente tenhamos o poder de decisão na hora de discutir um orçamento, local ou federal, para políticas voltadas ao esporte.
Extrapauta – Esporte e educação acabam sendo complementares. Existe uma integração entre a sua Secretaria e a Secretaria de Esportes?
Leila do Vôlei – Quando eu cheguei à Secretaria eu percebi que havia esse distanciamento. Eu sou de uma geração em que a educação caminhava com a educação física. De manhã eu tinha aula e no contraturno eu tinha educação física, artes e outras atividades complementares. E em algum momento esse diálogo se perdeu. Eu estou tentando restabelecer isso com o secretário Júlio Gregório, uma pessoa extremamente sensível. Um professor que tem uma experiência e que compreende a importância do esporte. Tanto é que mais de dez anos depois, nós estamos trazendo os Jogos da Juventude. E isso só foi possível com o apoio da educação, porque quem realiza os jogos escolares é a Secretaria de Educação e não a Secretaria de Esportes. E para que eu pleiteasse que Brasília fosse sede, só possível porque eu fui até a Secretaria de Educação e propus ao Secretário que fizéssemos esses jogos aqui. E ele abraçou prontamente. E os professores também abraçaram esta causa.