Brasil vai cobrar mais financiamento para o clima na COP 29

O Brasil buscará aumentar o financiamento estrangeiro de fundos para mitigação e adaptação climática durante sua participação na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 29). A informação veio da audiência pública na Comissão de Meio Ambiente (CMA) nessa quarta-feira (23), da qual participaram representantes do governo federal e da sociedade.

A senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da CMA, solicitou o debate (REQ 53/2024) para a comissão conhecer as perspectivas do Brasil na conferência. Leila afirmou que a maior expectativa é o aumento da transferência de recursos para projetos de sustentabilidade nos países em desenvolvimento, arrecadados principalmente dos países ricos. No Brasil, por exemplo, o Fundo Amazônia recebe doações e investimentos estrangeiros para proteger a Floresta Amazônica. Ela cobrou da delegação brasileira que dê atenção à demanda.

Países desenvolvidos que historicamente mais contribuíram para os efeitos da mudança do clima devem essa resposta a todo o planeta. Esperamos que haja avanço significativos referentes ao financiamento climático. Não podemos dar mais um passo sequer sem nos perguntarmos o que chamamos de “desenvolvimento”. Essa não é uma questão fácil de responder.

Senadora leila

A nova meta anual para fundos climáticos a ser decidida no evento precisa superar os atuais U$ 100 bilhões, segundo a diplomata Liliam Beatris Chagas, diretora do Departamento de Clima do Ministério de Relações Exteriores (MRE). Ela também considera o financiamento a principal decisão do encontro de 2024, para ela, a “COP das finanças”.

“São recursos que pagam os meios de implementação dos compromissos: transferência de tecnologia; capacitação; workshops; ajuda para que os países consigam cumprir as suas obrigações de reportar as suas emissões”, explicou.

Divergências

A meta de U$ 100 bilhões anuais foi estipulada há nove anos, na COP 21, ocasião em que os países participantes firmaram o Acordo de Paris. O valor representa mais de meio trilhão de reais, em valores atuais. Segundo Liliam, ele é motivo de discórdia. A diretora explicou que os critérios de contabilidade são incertos, de modo que alguns países alegam que os investimentos dos países ricos alcançaram a meta em 2022, mas outros afirmam o contrário.

Para Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, os países devem se debruçar não só sobre controvérsias sobre os novos valores a serem investidos em sustentabilidade, mas sobre o próprio conceito de financiamento para esses fins. “Os países ricos falam de mobilização de finanças. Mobilização envolve capital privado, empréstimo e tudo mais o que eles querem tentar botar na conta para inflar. Quando você vai olhar os relatórios que analisam essa entrega, menos de 20% foi financiamento climático, o resto é tudo empréstimo e “dinheiro velho” que eles recategorizam como financiamento climático. [O Acordo de Paris] fala claramente que o dinheiro tem que ser provisão, portanto financiamento público em forma de doações ou altamente concessional, que é com juros mais baixos.

Angelo ainda afirmou estar “menos otimista” quanto às decisões a serem tomadas. Para ele, conflitos armados, como os que ocorrem na Ucrânia, no Líbano e na Faixa de Gaza, se refletirão em uma menor cooperação internacional na conferência.

Imagem do Brasil

João Francisco Paiva, diretor do Departamento de Descarbonização e Finanças Verdes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), apontou que representantes do Brasil na COP 29 se dedicarão a apresentar a imagem do país como “exemplo” da transição energética. A maior parte da energia produzida no país é considerada limpa, de origem hidrelétrica. João também espera explorar o potencial brasileiro para a indústria sustentável.

” A gente tem [a maior parte dos] nossos veículos leves [do tipo] flex. Por que que a gente precisa de repente forçar uma eletrificação, sendo que a gente tem uma indústria de biocombustíveis pujante, a mais desenvolvida do mundo, com os veículos preparados para receber esses biocombustíveis? Que a gente possa disputar essas narrativas que muitas vezes são impostas pelos países do norte global. Não podemos aceitar isso [carros elétricos] como verdade absoluta. Quando a gente roda o mundo ouvindo o que os países estão desenvolvendo, o sonho deles é chegar onde o Brasil já está.

João Francisco Paiva – MDIC

O setor industrial não possui grande participação nas emissões de gases poluentes no Brasil. Quem assegurou foi Hugo do Valle Mendes, representante da Assessoria Extraordinária para a COP 30 do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Segundo ele, o principal responsável, com quase metade das emissões, é o desmatamento e uso da terra. Em seguida vêm o setor energético e o setor agropecuário. Mendes contabilizou cerca de 110 políticas públicas transversais que já são implementadas para reduzir essas emissões.

Agro e indústria

Segundo Jorge Caetano Junior, coordenador-geral de Mudanças do Clima e Desenvolvimento Sustentável do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o país também dará atenção aos debates sobre o Compromisso Global do Metano, firmado na COP 26, em 2021. O metano é um gás que contribui para o efeito estufa. O acordo previa um esforço dos países para diminuir em 30% as emissões de metano até 2030.

Jorge apontou que o Brasil possui um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, e que os animais possuem participação relevante nessas emissões. De acordo com ele, o país já adota estratégias para frear a emissão, como o Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), voltado para a sustentabilidade no agronegócio.

“[O Plano] reduziu emissões de gases de efeito estufa e promoveu a adaptação da agropecuária às mudanças do clima ao longo de 14 anos de existência. Uma das técnicas do ABC é a “terminação intensiva”, que visa reduzir a idade ao abate dos bovinos. Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai têm interesse no tema. Nós já estamos nos articulando com eles [sobre a participação na COP 29]”, disse

Ainda participaram da reunião os representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Juliana Borges de Lima Falcão, e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias Filho. Eles afirmaram que seus setores fazem avanços na sustentabilidade e que há a expectativa de aprimoração na transparência dos seus relatórios de acompanhamento do tema.

Papel do Congresso

O secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, elogiou a aprovação pelo Congresso Nacional, do Marco Legal do Hidrogênio Verde (Lei 14.948, de 2024), que regulamenta a produção dessa fonte de energia, considerada uma das possíveis alternativas para o futuro. Para ele, a aprovação do projeto que regula o mercado de carbono (PL 182/2024) daria vantagem especial ao Brasil nas negociações da COP 29.

O texto cria regras para a compensação da poluição de empresas por meio da compra de títulos atrelados a iniciativas de preservação ambiental. Ele já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda decisão do Senado. Ainda não há despacho para as comissões nem relator designado.

Conferência

A COP é uma oportunidade para chefes de Estado e representantes de países do mundo inteiro debaterem as mudanças climáticas e as práticas globais para conter seus avanços e seus danos. Segundo a diplomata Liliam Beatris Chagas, é o maior evento da ONU. A edição de 2024 deve receber de 50 a 60 mil pessoas.

Com 1.400 representantes, o Brasil será novamente uma das maiores delegações. Na COP 28, de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o Brasil levou 1.337 delegados e formou o maior grupo nacional envolvido no evento.

Além das sessões com chefes de Estado e diplomatas, a Conferência terá espaço para órgãos da sociedade e representantes do setor produtivo, realização de oficinas e de workshops.